Para Angola já e em força, sugere (ansioso) o Ti Celito

O Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, prometeu visitar Angola “na primeira ocasião” em que surgir um convite, numa entrevista em que não escondeu que “adoraria ser o convidado” do homólogo João Lourenço. Por mim seria já e em força, terá pensado o Presidente. É um verdadeiro hino para os ouvidos do MPLA.

“M arquem a data que eu vou já!”, assegurou o chefe de Estado português numa entrevista à Rádio Nacional de Angola, difundida hoje, por ocasião da visita que o Presidente João Lourenço fará a Portugal entre os dias 22 e 24.

Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que “adoraria” ser convidado por João Lourenço, escusando-se a abordar a possibilidade, colocada pelo jornalista, de a visita de Estado se realizar já no início de 2019.

“Na primeira ocasião em que haja a oportunidade de ser convidado para ir a Angola – porque, como sabe, a casamentos e baptizados não se vai se não convidado –, ir a Angola para mim era ao mesmo tempo um grande casamento, um grande baptizado, era uma grande festa. Mal seja convidado, a minha resposta, como é evidente, é: marquem a data que eu vou já”, acentuou.

O Presidente português recordou, porém, que “quem tem de decidir” e fazer o convite é João Lourenço para, logo a seguir, admitir: “Eu adoraria ser o convidado dele em Angola”.

Por outro lado, Marcelo reconheceu implicitamente que “o irritante” causado pela acusação da justiça portuguesa ao ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente está ultrapassado e que se abriu “um novo ciclo” nas relações bilaterais, com “protagonistas novos”, “novos desafios” e “projectos comuns” em ambos os países, o qual “tem condições para ser muitíssimo bom”.

“Temos um pano de fundo magnífico para este novo ciclo. Agora depende de nós”, sublinhou, defendendo que “agora o que importa é olhar para o futuro”, mas sem deixar de assinalar que “o que ficou para trás teve, em termos globais, muitos aspectos positivos”.

O mote agora é, para o chefe de Estado português, “servir as aspirações populares”, que são “muito concretas” e lançam o desafio de “ir mais longe no domínio das relações educativas, culturais, sociais, científicas e tecnológicas, mas também económicas e financeiras”.

“O nosso protagonismo conjunto pode ser muito importante”, acentuou, recordando que “Angola tem um verdadeiro espaço vital de afirmação como potência regional e uma influência muito grande, quer no continente africano, quer na comunidade de países que falam português”.

Ao assumir a próxima presidência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Angola estará “com uma projecção no mundo, na Europa, nas Américas, na Ásia, mais ambiciosa e com uma grande capacidade de se afirmar”.

O Presidente da República Portuguesa apontou os acordos que estão a ser ultimados, e que vão desde o domínio cultural ao social, reiterando que “há muito trabalho comum a fazer em conjunto”.

“Nenhum de nós tem a tentação de querer ser monopolista ou estar excessivamente presente na vida do outro, mas sabemos que estamos condenados a encontrarmos, no bom sentido do termo, nesta cena mundial com um protagonismo muito importante”, sustentou.

Com Angola, acrescentou, quando se olha para trás, “há sempre mais realidades positivas do que negativas” e há mais angolanos em Portugal e portugueses em Angola e mais empresas a investir nos dois lados.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou, contudo, que “a grande riqueza” da relação luso-angolana “não pode ser cingida, embora seja muito importante, ao relacionamento e à cumplicidade pessoal entre os que estão no topo do poder político” e “deve atravessar todo o tecido social”.

“Porque aquilo que há de melhor entre nós é resultado do cruzamento natural dos povos. Dão-se bem! Dão-se bem, naturalmente! Agora, podem ainda dar-se melhor se pudermos ir mais longe em termos de colaboração entre os povos”, concluiu.

Ti Celito, é claro!

Marcelo Rebelo de Sousa, só há pouco tempo soube que, em Angola, é tratado por “Ti Celito”, mas ficou sensibilizado quando o homólogo João Lourenço lhe contou a “expressão carinhosa” dos angolanos para lhe manifestar afecto.

“Noutro dia o senhor Presidente João Lourenço disse-me baixinho (estávamos na cimeira do Sal): sabe como é que é chamado cá? Não, não sei! Ti Celito! Ai é? É! Quando lá foi, criou-se uma expressão carinhosa, no sentido de as pessoas gostarem de si…”, contou o chefe de Estado português, na entrevista à RNA.

Conhecido em Portugal como “o Presidente dos afectos”, Marcelo Rebelo Sousa ficou “sensibilizado” com a forma carinhosa como os angolanos olham para si, desde que em Setembro de 2017 se deslocou a Luanda para a cerimónia de tomada de posse do homólogo João Lourenço.

“Eu fiquei muito sensibilizado. Não sabia. Uma coisa é certa: é que eu tenho família em Angola, primos já afastados. Há uma ligação muito antiga através de muitos alunos angolanos que sempre tive. Das várias vezes que estive em Angola, nomeadamente para ensinar, guardei as melhores das recordações, ensinei alunos, estive em júris de provas muito variadas, tive contactos populares muito diversificados”, lembrou.

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou ainda para recordar o afecto sentido na visita que fez a Luanda por ocasião da posse de João Lourenço como Presidente da República.

“As pessoas menos atentas não viram a forma tão calorosa como eu fui recebido, quer nas ruas, quer nas praias, quer na própria cerimónia da posse”, argumentou, fazendo depois a ponte para as relações entre povos ‘irmãos’ para concluir que não há mais afecto quando as pessoas estão todos os dias juntas.

“As relações afectivas mais fortes são aquelas em que as pessoas estão nelas com total despojamento. Eu acho que estamos nessa fase em relação a Angola e Portugal”, acentuou, lembrando que está, às vezes, “muito tempo sem ver os irmãos, os filhos e os netos”.

“Quer isto dizer que eu sou menos próximo? Não, a vida é assim! Hoje, faz parte da lógica das coisas não sermos possessivos”, sustentou, considerando “naturalíssimo” que Portugal ou Angola tenha relações com vários parceiros, sem que isso cause “ciúmes” entre ambos.

Para o Presidente da República português, “é essencial” olhar para o futuro “com disponibilidade” e “desprendimento”.

“Agora, podemos obviamente, neste novo ciclo, dar passos para que essa natural cumplicidade, essa natural identificação de muitos propósitos, se converta em mais activos, em mais dinâmica, em mais social, em mais comunitária, em mais participada. Podemos e devemos fazer isso, mas sem ciúmes”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa na entrevista à Rádio Nacional de Angola.

O mais bem preparado

Como se sabe e como, aliás, já aqui foi escrito, Marcelo Rebelo de Sousa é o político português mais habilitado (a par do primeiro-ministro António Costa) para não só cimentar como também alargar as relações com o regime do MPLA. É assim com João Lourenço no Poder, teria sido a mesma coisa se lá continuasse José Eduardo dos Santos. Marcelo sabe que – do ponto de vista oficial – Angola (ainda) é o MPLA, e que o MPLA (ainda) é Angola. Portanto… Siga a fanfarra.

Angola é um dos países lusófonos com uma das maiores taxas de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas, tal como é um dos países mais corruptos do mundo. Mas o que é que isso importa a Marcelo Rebelo de Sousa?

Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa a João Lourenço.

Os pobres em Angola (20 milhões) estão todos os dias a aumentar e a diminuir. Aumentam porque o desemprego aumenta, diminuem porque vão morrendo. Mas a verdade é que esses angolanos não contam para Marcelo Rebelo de Sousa, tal como não contam para António Costa, tal como não contaram para Passos Coelho ou José Sócrates.

Marcelo Rebelo de Sousa sabe que o anterior presidente angolano esteve no poder durante 38 anos sem ter sido nominalmente eleito, tal como sabe que o actual lá quer ficar também muitos e muitos anos, continuando a não ser nominalmente eleito. Mas isso pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.

Será que alguém vai perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa o que pensa dessa farsa a que se chama democracia e Estado de Direito em Angola? Não. Basta ver que, mesmo antes de ser declarado vencedor das “eleições” do dia 23 de Agosto do ano passado, já João Lourenço era felicitado pelo Presidente da República de Portugal.

De facto, os portugueses só estão mal informados sobre a realidade porque querem, porque gostam de ser enganados, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários. Marcelo Rebelo de Sousa não escapa à regra.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses (com excepção dos do Bloco de Esquerda) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.

No dia 27 de Novembro de 2015, o então secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, disse em entrevista/recado/encomenda à agência Lusa, esperar que o novo Governo socialista português “mantenha relações boas” entre os dois estados.

O dirigente angolano falava à margem da reunião anual da Internacional Socialista, em Luanda, encontro em que a comitiva portuguesa do PS foi aplaudida pelos restantes representantes da IS.

“As nossas relações entre povos, estados, não podem ser perturbadas, seja qual for a situação. Seja quem vier, quem estiver lá em Portugal a dirigir, nós teremos sempre as melhores relações com o Estado, Governo ou com o povo português”, afirmou Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”.

O então secretário-geral do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, sublinhou que as relações com o PS “nunca foram más”, apesar da acção de algumas “alas”, mas algo que “já pertence ao passado”.

“Nós não damos muita importância àquilo que dizem contra nós. O que nós queremos é que quem estiver em Portugal tenha e mantenha relações boas com Angola. Existem relações entre nós, até quase familiares”, insistiu o dirigente do MPLA.

“Que haja um ou outro a querer problemas com Angola, nós não ligámos muito. O que importa a Angola é manter as mesmas relações que tivemos desde a nossa independência com Portugal. Seja quem estiver lá no Governo, que mantenha as melhores relações connosco”, enfatizou.

Questionado sobre a preocupação que algumas figuras do regime angolano têm demonstrado, publicamente, com a influência do Bloco de Esquerda, o secretário-geral do MPLA desvalorizou.

Em síntese, o MPLA quer que Portugal mantenha, ou aumente, o nível de bajulação ao novo “querido líder”. E isso está mesmo a acontecer. O Parlamento português tem, no caso das relações com o regime do MPLA, uma esmagadora maioria de invertebrados bajuladores. PSD, CDS, PS e PCP fazem desse misto de sabujice e bajulação um modo de vida, uma forma de subsistência. A excepção é o BE.

E a cereja no cimo do bolo aconteceu com a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa. E ele não vai deixar os seus créditos por “sélfies” e abraços alheios.

Folha 8 com Lusa

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